Para se entender a criação da Sudene, é necessário
acompanhar o processo de "invenção do Nordeste". Essa parte do
território nacional foi sendo identificada ao longo do tempo como aquela que
periodicamente é assolada pela seca. E a seca é apresentada como uma tragédia:
sabe-se que ela vai chegar, mas não há nada a fazer diante do destino
inexorável...
As secas nordestinas vêm sendo estudadas desde o
século XIX e já deram ocasião à formação de várias comissões propondo esta ou
aquela solução. O primeiro plano de transposição das águas do rio São
Francisco, por exemplo, data de 1818. Também já foi tentada a transferência dos
nordestinos para a Amazônia, no fim do século XIX e nos anos 1940, quando se
inventou o programa "soldados da borracha" para levar os flagelados
da seca para lá.
Comissões e viagens científicas fazem parte da
gênese do Nordeste. É importante citar as viagens dos médicos Belisário Pena e
Artur Neiva, que em 1912 percorreram vários estados da região e identificaram
as condições de vida das populações locais. Foram essas viagens que produziram
as primeiras mudanças na forma de lidar com os sertanejos do país. Seu
resultado foi mostrar a doença, e não o clima e a raça, como o principal
entrave ao progresso do interior do Brasil.
O Nordeste como espaço territorial tem data de
nascimento. Foi durante o Estado Novo que o IBGE criou a primeira Divisão
Regional do Brasil, dividindo o território nacional em cinco regiões: Norte, Nordeste,
Leste, Sul e Centro-Oeste. Com a valorização das regiões, instituída
oficialmente em 1942, o Estado Novo procurava combater as oligarquias locais
que dominavam os estados e buscava integrar as partes em um todo maior. O novo
nacionalismo se baseava nas regiões e valorizava as diferenças geoeconômicas e
socioculturais. A marca cultural de cada região recebeu amparo nos desenhos de
Percy Lau – o seringueiro, a baiana, o vaqueiro do Nordeste e dos Pampas, o
jangadeiro são figuras que passaram a povoar os livros de geografia a partir de
então.
O Nordeste como espaço de identidade recebeu a
contribuição do movimento regionalista de 1926, com Gilberto Freire à frente, e
da geração de romancistas - José Lins do Rego, Raquel de Queirós, Graciliano
Ramos entre outros - que nos anos 1930 passou a descrever em tom realista as
condições de vida e os impasses da sociedade da cana-de-açúcar no litoral e da
seca no sertão.
Seca, cangaço, messianismo, lutas entre famílias
fundam a própria idéia de Nordeste. As obras de denúncia que desde os anos 30
falam da região trazem como personagens típicos o cangaceiro, o beato, o
jagunço, o coronel, todas figuras de um mundo decadente mas que ainda resiste
aos novos tempos.
Essa imagem de um mundo violento e cruel se fará
presente, por exemplo, nos filmes O cangaceiro, de Lima Barreto (1953); O
pagador de promessas, de Anselmo Duarte (1960), baseado em peça de Dias
Gomes, que conquista a Palma de Ouro em Cannes em 1962; Vidas Secas, de
Nelson Pereira dos Santos (1963), baseado em livro de Graciliano Ramos.
A idéia de Nordeste que vai se construindo é a de
que aquele é o lugar do atraso, do rural, do passado que resiste às mudanças.
Ao mesmo tempo, como contraponto, constrói-se a imagem do Sul como espaço do
progresso, da indústria, do futuro.
Em 1952 e em 1958, novas secas atingiram a região.
Tentou-se impedir que os nordestinos viessem para o Sul, mas eles vieram assim
mesmo e foram participar da industrialização dos anos JK, que tornou São Paulo
a maior e mais industrializada cidade da América Latina. Foram também compor a
mão-de-obra que construiu Brasília. Nesse caso, foram chamados de candangos.
Uma versão "científica" dos problemas do
Nordeste, principalmente da fome, já fizera entrada no panorama nacional
através dos trabalhos de Josué
de Castro. Mas foi com Celso
Furtado que o Nordeste ganhou relevância enquanto objeto de uma política
pública específica para a região, simbolizada na criação da Sudene.
Autoria - Lúcia Lippi Oliveira
Divulgação: Fórum de
Controle de Contas Públicas em Alagoas
Data: 19-05-2006
(data articulação do Fcopal, depois, Foccopa).
Minha
resenha: "Não se pode negar a promessa negue-se o
santo" expressão incentivadora da desonestidade intelectual no presente
escrever da intelectualidade, especialmente se o "santo" é alguém
daqueles que se opôs às elites de cada época. Apesar, disso foi uma ótima e
esclarecedora leitura.
Obs.: onde há "desenhos" eles podem ser visto no endereço virtual do bom artigo.
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