O
ministro Gilmar Mendes foi flagrado (por interceptação telefônica autorizada
pelo próprio STF) numa conversa com o ex-governador de Mato Grosso, Silval
Barbosa, no dia em que este fora preso em Cuiabá-MT (veja Época 6/2/15).
Diz a reportagem que "em 15 de maio do ano passado (2014), o Supremo
Tribunal Federal, a pedido da Procuradoria-Geral da República, autorizou a
Polícia Federal a vasculhar a residência do então governador de Mato
Grosso, Silval Barbosa, do PMDB, à
cata de provas sobre a participação dele num esquema de corrupção. Cinco dias
depois, uma equipe da PF amanheceu no duplex do governador, em Cuiabá. Na
batida, os policiais acabaram descobrindo que Silval Barbosa guardava uma
pistola 380, três carregadores e 53 munições. Como o registro da arma vencera
havia quatro anos, a PF prendeu o governador em flagrante. Horas mais tarde,
Silval Barbosa pagou fiança de R$ 100 mil e saiu da prisão. Naquele momento, o
caso já estava no noticiário. Às 17h15, o governador recebeu um telefonema de
Brasília. Vinha do mesmo Supremo que autorizara a operação".
"Governador Silval Barbosa? O ministro Gilmar Mendes gostaria de falar com o senhor, posso transferi-lo?", diz um rapaz, ligando diretamente do gabinete do ministro. "Positivo", diz o governador. Ouve-se a tradicional e irritante musiquinha de elevador. "Ilustre ministro", diz Silval Barbosa. Gilmar Mendes, que nasceu em Mato Grosso, parece surpreso com a situação de Silval Barbosa:
"Governador, que confusão é essa?". Começavam ali dois minutos de um telefonema classificado pela PF como "relevante" às investigações. O diálogo foi interceptado com autorização do próprio Supremo - era o telefone do governador que estava sob vigilância da polícia. Na conversa, Silval Barbosa explica as circunstâncias da prisão.
Surrealismo é o mínimo que se pode dizer da iniciativa de um ministro do STF que liga para um preso em flagrante, acusado de corrupção, em inquérito que tramita dentro do próprio STF. Mais surreal ainda é sua camaradagem "muy amiga" de dizer que vai falar com o relator do processo (Dias Toffoli), sobre o caso em tramitação na Casa. Usamos a expressão patrimonialismo para expressar a confusão que se faz da coisa pública com a coisa privada. O patrimonialismo é pai do nepotismo, filhotismo, fisiologismo, parentismo, amiguismo e tantos ou "ismos" mais, que nossas lideranças nacionais (de todos os poderes), em geral, sabem conjugar de cor e salteado. O Brasil conta com avanços civilizatórios em muitas áreas, mas continua aos trancos e barrancos em termos institucionais. Isso decorre, sobretudo, da qualidade das lideranças nacionais, seja do mundo empresarial, seja do mundo político, seja de outros altos escalões da República.
O Brasil é um país carente de exemplaridade. Em tempos de mensalões (do PT e do PSDB), de "petrolão", de licitações viciadas no metrô de SP e tantas outras estrepolias dos políticos brasileiros, oportuno se faz recordar que é na honra e na exemplaridade que reside a missão cívica de todo servidor público. Como bem enfatiza Gomá Lanzón (2009, p. 261): "O espaço público está cimentado sobre a exemplaridade, esse é seu cenário mais genuíno e próprio. A política é a arte da exemplaridade". Para se cumprir esse mandamento, o funcionário e o político devem "predicar com o exemplo", porque, no âmbito moral, só o exemplo "predica" de modo convincente, não as promessas, os discursos, os quais, sem a força do exemplo (e da exemplaridade), carecem de convicção, caem no vazio (Gomá Lanzón: 2009, p. 265).
"Que
loucura!", diz Gilmar Mendes, duas vezes, ao governador.
Silval
Barbosa narra vagamente as acusações de corrupção que pesam contra ele. Gilmar
Mendes diz a Silval Barbosa que conversará com o ministro Dias Toffoli, relator
do caso. Fora Toffoli quem, dias antes, autorizara a batida na casa do
governador. Segue-se o seguinte diálogo:
Silval
Barbosa: E é
com isso que fizeram a busca e apreensão aqui em casa.
Gilmar
Mendes: Meu Deus
do céu!
Silval
Barbosa: É!
Gilmar
Mendes: Que
absurdo! Eu vou lá. Depois, se for o caso, a gente conversa.
Silval
Barbosa: Tá bom,
então, ministro. Obrigado pela atenção!
Gilmar
Mendes: Um abraço
aí de solidariedade!
Silval
Barbosa: Tá,
obrigado, ministro! Tchau!
"Meu
Deus do céu":
ÉPOCA
teve acesso com exclusividade à íntegra do inquérito relatado por Dias Toffoli.
É lá que se encontram os áudios transcritos nestas páginas (ouça em
epoca.com.br) - e as provas do caso. O inquérito foi batizado com o nome de
Operação Ararath - uma referência bíblica ao monte da história de Noé, na qual
só os policiais parecem encontrar sentido. Iniciada em 2013, a investigação da
PF e do Ministério Público Federal desmontara um esquema de lavagem de
dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e corrupção política no topo do
governo de Mato Grosso. O caso subiu ao Supremo quando um dos principais
operadores da quadrilha topou uma delação premiada. Entregou o governador e
seus aliados, assim como comprovantes bancários. No dia em que Silval Barbosa
foi preso, a PF também fez batidas em outros locais. Apreendeu documentos que
viriam a reforçar as evidências já obtidas.
O grupo
político que governava Mato Grosso desde 2008, representado pelo então
governador Blairo Maggi, hoje senador, e Silval Barbosa, que era seu vice,
usava a máquina do governo para financiar campanhas eleitorais. Empreiteiras
com contratos no governo do Estado faziam pagamentos a intermediários, que
por sua vez repassavam dinheiro às campanhas. Esses intermediários eram donos
de empresas que funcionavam como pequenos bancos ilegais. Mantinham à
disposição do grupo político uma espécie de conta-corrente. Silval Barbosa foi
acusado de articular pessoalmente o pagamento de R$ 8 milhões às campanhas dele
e de seus aliados, nas eleições de 2008 e 2010. Há documentos bancários que
confirmam o depoimento do delator.
Em 2013
Gilmar Mendes disse: "É uma visita de cortesia ao governador. Somos amigos
de muitos anos, temos tido sempre conversas muito proveitosas. Fico muito
honrado. Faço tudo para que o nome de Mato Grosso seja elevado".
Gilmar
Mendes desempata julgamento em favor de Éder Moraes
"Em
sete de outubro, quatro meses após o telefonema de solidariedade a Silval
Barbosa, o ministro Gilmar Mendes foi convocado a desempatar um julgamento do
inquérito". A Procuradoria-Geral da República pedira ao Supremo que o
principal operador do esquema, segundo a PF, fosse preso novamente.
Argumentava-se que ele tentara fugir - e tentaria de novo. Trata-se de Éder
Moraes. Ele fora secretário da Casa Civil, da Fazenda e chefe da organização da
Copa do Mundo em Mato Grosso nos governos de Blairo Maggi e Silval Barbosa;
Quatro meses após ligar para Silval, Gilmar deu o voto decisivo para manter
livre o operador do esquema. O pedido foi julgado na primeira turma do Supremo,
composta de cinco ministros. Meses antes, Toffoli, o relator do caso, votara
por mantê-lo em liberdade. Os ministros Celso de Mello e Luís Roberto Barroso
avaliaram que não poderiam atuar no caso. Sem declinar as razões, Celso de
Mello e Barroso se declararam suspeitos. O ministro Luiz Fux votou com Toffoli,
mas os ministros Marco Aurélio Mello e Rosa Weber votaram a favor do pedido do
Ministério Público - pela prisão preventiva. O julgamento estava empatado.
Faltava um voto. O ministro Gilmar Mendes avaliou que não tinha razões para se
declarar impedido ou suspeito de participar do julgamento. Votou contra a
prisão do acusado. Foi o voto que assegurou a liberdade de Éder Moraes - que,
segundo as investigações, era o parceiro de Silval Barbosa no esquema.
"Procurados,
os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli disseram que não conversaram sobre o
processo. ÉPOCA enviou ao ministro Gilmar Mendes cópia do diálogo interceptado
pela PF. Em nota, o ministro negou qualquer conflito de interesses ao
participar do julgamento do operador. Também não viu problemas no teor do
telefonema de solidariedade ao investigado. "Ao ser informado pela
imprensa sobre a busca e apreensão na residência do então governador do Estado
do Mato Grosso, com quem mantinha relações institucionais, o Min. Gilmar Mendes
telefonou ao Governador Silval Barbosa para verificar se as matérias
jornalísticas eram verídicas", diz a nota. A assessoria do ministro disse
ainda que ele usou as expressões "que absurdo" e "que loucura"
como interjeições, sem juízo de valor. Gilmar Mendes preferiu não fazer nenhum
comentário adicional sobre o assunto (...) No Supremo, após a decisão que
manteve solto o homem acusado de ser o principal operador do esquema, o
inquérito contra Silval Barbosa e Blairo Maggi tramita lentamente".
As quatro
instituições que constituem a base de uma nação próspera são: (a)
Estado/democracia, (b) mercado capitalista competitivo, (c) império da lei e
(d) sociedade civil cidadã. Tudo tem que funcionar bem para que o país possa se
desenvolver, crescer e prosperar. O país em que essas instituições funcionam
precariamente (é o caso do Brasil), no máximo, configuram uma frágil e
esgarçada democracia eleitoral, que é mero pressuposto da democracia cidadã. Num
país de democracia cidadã o conúbio entre o mundo empresarial, político e
judicial é expurgado prontamente. Na Suécia, um primeiro-ministro deu uma
conferência numa Universidade nos EUA sem cobrar e depois acertou uma bolsa de
estudos para seu filho. Teve que pagar ao erário público o quantum de que se
favoreceu (por ter usado o cargo público para ajudar seu filho) e ainda foi
banido do governo. Em país civilizado e, portanto, cidadão, os ministros e os
juízes não brincam com fogo (porque sabem que vão se queimar).
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Gilmar-Mendes-flagrado-brinca-com-fogo/40/32861
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