A Lei de
Responsabilidade Fiscal-LRF é uma realidade. Aproveitando-se da desinformação
nossa, presidente, governadores e prefeitos alegam algumas verdades e muitas
mentiras.
As mesmas são ditas conforme conveniência momentânea. Verdades e
mentiras, a todos pegam. Não falaremos das poucas verdades e sim alertamos para
algumas das muitas mentiras ou omissões, exemplificando em 3 ou 4 situações.
Para pôr em prática as poucas verdades não se precisava de mais uma lei. Era só
aplicar as diversas leis já existentes ou a “honestidade no trato do dinheiro
público”.
Lendo-se e
ouvindo-se a mídia grande em geral, tinha-se a impressão de que os maus
gestores estariam encarcerados no dia-seguinte. A razão da mentira-mor era
aprovar-se a LRF.
O Governo Federal sabia que os movimentos sociais e muita
gente eram contra a aprovação da lei nos seus termos atuais, por exigência do
FMI. Como forma de cooptar consciências e colocar a grande maioria desinformada
a favor da aprovação da lei, pressionando muitos parlamentares, divulgou-se e
veiculou-se que os ladrões seriam presos imediatamente. Quanta gente enganada!
Falta-de-transparência:
a maioria dos gestores, nas diversas esferas administrativas, já infringe os
artigos 48 e 49 da LRF, especialmente quando eles dizem:
as contas ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo
Poder Legislativo e no órgão técnico
responsável pela respectiva elaboração, para consulta e apreciação dos cidadãos
e instituições da sociedade.
Disponíveis para consulta? Bem, além de já não
cumprirem a LRF, infringem também outras leis que tratam da transparência na
gestão pública.
Verificou-se,
então, o porquê das contas serem sutilmente escondidas. Sutil? Porque não há
documento negando, mas muitas idas-e-vindas sem que o acesso seja
permitido. Em 2000, SS movimentou: R$8.398.364,46;
R$166.898,50, foi saldo de 1999 e recebeu R$8.065.633,23. Valor distribuído em:
receita-tributária, R$40.087,91; receita-patrimonial, R$972,46;
transferências-correntes, R$8.022.472,86 e outras-receitas-correntes,
R$2.100,00.
A baixa própria arrecadação do Município é retratada pelo valor da receita-tributária
própria: ITBI, R$8.750,52; ISS, R$5.909,78; TIP, R$2.253,91 (frise-se: um
movimento popular acabou com esse tributo inconstitucional, desde
setembro/1999); taxa-prestação-serviços, R$23.143,80; outras-taxas, R$30,00.
Receita-patrimonial, rendimentos de aplicação no mercado-financeiro, R$972,56.
Nas transferências, estão incluídas as transferências obrigatória
(R$6.234.357,60) e voluntárias (R$1.788.115,26).
Para SS, é uma dinheirama.
Tanto o é que gestores construíram mansões e compraram bens, sem outras rendas
aparentes. Digressão interiorana, mas necessária.
Aumento-de-salários: Prefeitos chegaram a
tergiversar e diziam: há dinheiro em caixa e gostaria de dar o aumento, mas a
lei não permite. Para o município, a LRF fixou a despesa total com pessoal-DTP
em 60% da receita corrente liquida-RCL, sendo 54% para o Executivo-PE e 6% para
o Legislativo-PL.
Se não há acesso à prestação de contas, não se sabe os
números de cada dotação e os gastos de cada Poder. Como debater? Até porque o
que vem a ser DTP está difícil definir: a LRF e Procuradoria-Geral de
Alagoas-PG dizem uma coisa, e o Tribunal de Contas Estadual-TCE diz outra.
Em SS, no
período de 2000/2002, os gestores dizem que não podem aumentar os salários, em
virtude da LRF. A prestação de contas desmente-os: adotando-se a interpretação
da PG: RCL, R$8.065.633,23; DTP: do PL, R$246.954,16 (3,06%) e do PE,
R$2.584.719,68 (32,05%). DTP, no PL e PE: 35,11% da RCL, no conceito da LRF. É
por isto que trabalhadores municipais, daqui e d’além, exigem aumento.
Restos-a-pagar-RP: usando esse conceito, muitos
gestores não querem pagar contas de antecessores. Nos últimos 8 meses de
mandato, o gestor não-poderá assumir gastos para a próxima-gestão pagar, sem
deixar dinheiro em caixa para honrá-los. Burlando o art. 42, prefeitos dizem
que não podem pagar salários atrasados de servidores e agentes-de-saúde. Não há
isto na lei. RP não tem conceito unânime, mas tem duas idéias definidas: gastos
compromissados e vencidos no exercício, nele são pagos e não há dúvidas.
Em SS,
existem salários atrasados e diferença salarial; o atual prefeito Sertório
Ferro se recusa a pagar contas de energia à CEAL porque o consumo/vencimento
foi durante o mandato de seu adversário. Centenas de famílias estão sem água em
dois chafarizes, em razão de brigamícios entre as oligarquias locais. Que só
não é escândalo em razão da ausência da imprensa nos interiores.
A dúvida
surge nos gastos compromissados e não-vencidos. Apesar da divergência,
percebe-se que o RP abrange serviços rotineiros e continuados do exercício
(despasas-de-custeio da administração), que não há obrigação de inclusão no
PPA. Diz o TCE/PR: “a restrição para contrair despesas deve se limitar aquelas
cujo objeto fique limitado ao exercício(...). Dessa forma, o caixa do último
ano do mandato deve quitar àquelas despesas incorridas nesse ano, sendo que as
parcelas a incorrer deverão ser suportadas pelo caixa do ano seguinte”.
Artigo
36 da lei 4320/64: “Consideram-se restos a pagar as despesas empenhadas e não
pagas até 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas.”
Processadas são despesas cujo empenho foi executado e estão em procedimento de
pagamento ao término do exercício; não-processadas são despesas empenhadas, mas
o procedimento de pagamento ainda não se efetivou. O certo: numa como n’outra
lei, RP é de difícil compreensão para quem não tem acesso à prestação de
contas.
O objetivo da
determinação é impedir que gestores que percam mandatos inviabilizem os dos
sucessores, deixando despesas sem-caráter essencial ou emergencial. Também nada
de novo: lei de 1974 já impedia gestor em fim de mandato de assumir
compromissos financeiros “sem que os correspondentes recursos estejam previstos
na programação orçamentária e na programação financeira de desembolso”.
Esta e
aquela leis, possivelmente, continuem desrespeitadas.
Em SS, o art.
42 da LRF evitou que o ex-gestor deixasse ao atual vários gastos de custeio,
quase todos efetuados nas empresas da família de sua esposa e então
Secretária-de-saúde, Arlete Regueira.
Impede investimento em políticas públicas inclusivas
ou “gastar no social”: é meio verdade, apesar de divergências.
A LRF não
limitou os serviços da dívida. Por quê? Também não limitou investir no social.
O detalhe: prioridade nos gastos. A
maioria dos gestores priorizam políticas-públicas(PP) que beneficiam a elite,
setores dela ou poderes. Alguns gestores priorizam PP que beneficiam a maioria
excluída, apesar do serviço e juros da dívida sempre aumentarem.
A prioridade
no gasto do dinheiro público é que não visa a inclusão social.
Não se faz a
inversão de prioridades.
Números confirmam: em SS, em 2000, gastaram-se em festas R $97.678,80 e na
agricultura R$38.728,39; com 11 vereadores gastaram-se R$298.561,40 e com
merenda-escolar (mesmo a maioria do alunado sendo subnutrida ou sofrendo de
carência-alimentar) R$195,575,52. Considerando o antagonismo dos princípios
autorizativo ou impositivo, foram autorizados e gastos, em percentual: no
gabinete do prefeito, R$154.002,64/R$154.002,64 (100%) e no ensino infantil
(apesar de 90% dos pais/mães daqui não poderem pagar pré-escola)
R$160.830,00/R$97,77 (0,06%). Secretaria de Finanças, R$365.050,56/327.425,78
(89,69%) e Ação Social, R$426.091,10/R$278.829,90 (65,44%).
O dinheiro some
fácil, espie: serviços de terceiro (escritório de contabilidade ou jurídico,
aluguel de carros, carroças (em um município, o pobre carroceiro assinou recibo
de R$10.900,00, recebendo apenas R$100,00.
Em SS, um correligionário foi
orientado a comprar um carro para alugá-lo à administração; pedreiros etc),
R$3.078.681,71 (38,17% da RCL, inclusive superior a 1999, quando foi 23,79% e
à DTP, na ativa (no PL e PE), que foi
R$2.765.760,12 ou 34,29% (deduzindo-se as dotações de aposentados, pensionistas
e salário-família).
Motivo por
que muita gente assume pobre e sai rica. É na dotação “terceirização” que há
grande possibiilidade de maracutais. Compram-se “serviços” a diversos
correligionários, em razão de pagamentos de “trabalhos” eleitorais.
No Estado não
é diferente. Dotações para 2002: o PL levará R$58.500.000,00 (credite-se a
Ronaldo Lessa a resistência a gastar mais R$10.500.000,00, que nobres deputados
querem) e na Agricultura R$18.239.487,00; TCE, R$26.000.000,00 e Secretaria de
Cultura, R$2.300.479,00; Tribunal de Justiça R$101.918.691,00 e, juntas,
Ciência/Tecnologia/Ensino-Superior/Funesa/Uncisal R$4.012.878,00.
Essa
desigualdade social na apropriação dos bens públicos ocorre País afora. No
entanto, a massa de excluídos de tudo ou quase não se mobiliza e os
privilegiados sim.
Exemplo: menos de 2 dezenas de deputados se mobiliza para
ganhar mais R$10 milhões e 500 mil reais, mesmos após descumprirem leis,
inclusive a LRF, mas milhares de educadores não sitiam o PL, exigindo aumento
salarial.
Se houvesse
democratização e transparência na elaboração e execução orçamentárias, essas
“prioridades” se inverteriam e o povo decidiria por pagar a dívida ou
diminuiria a dotação para pagamento da mesma.
Mas, qual gestor já convocou o
povo para elaborar e acompanhar a execução do orçamento?
Fazer orçamento
participativo?
Apenas uns poucos e de partidos políticos variados.
Finalizando:
na elaboração do orçamento valem os princípios: salvem-se poderes e
privilégios; nas ruas, salve-se quem puder.
Em virtude de não se mudar as
prioridades em prol da maioria excluída de vida-digna, é que os anéis já estão
indo e os dedos logo irão? Fome, que fundamenta a excluído se apropriar do
privado de alguém, sobra!
Alagoas, Agreste, Camaratuba, inverno, 2001
>Paulo Bomfim,
reside em São Sebastião ;
coordena a ABRAÇO-AL, que em parceria com a Organização Não-governamental de
Olho em São Sebastião ,
realiza os “Curso de Noções sobre Tributos, Orçamento Público e
Responsabilidade Fiscal”, “Curso de Cidadania” e “Curso de Noções sobre
Administração Pública Municipal”; pelo PT, foi candidato a Prefeito e a
Deputado Federal, obtendo, respectivamente, 219 e 2.216 votos; o texto foi
atualizado em 2002; imeio:ongdeolhoss@bol.com.br.
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