segunda-feira, 18 de novembro de 2019

14ºCom - LEI DA RESPONSABILIDADE FISCAL: MENTIRAS & VERDADES


A Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF é uma realidade. Aproveitando-se da desinformação nossa, presidente, governadores e prefeitos alegam algumas verdades e muitas mentiras. 

As mesmas são ditas conforme conveniência momentânea. Verdades e mentiras, a todos pegam. Não falaremos das poucas verdades e sim alertamos para algumas das muitas mentiras ou omissões, exemplificando em 3 ou 4 situações. 

Para pôr em prática as poucas verdades não se precisava de mais uma lei. Era só aplicar as diversas leis já existentes ou a “honestidade no trato do dinheiro público”. 

Lendo-se e ouvindo-se a mídia grande em geral, tinha-se a impressão de que os maus gestores estariam encarcerados no dia-seguinte. A razão da mentira-mor era aprovar-se a LRF. 

O Governo Federal sabia que os movimentos sociais e muita gente eram contra a aprovação da lei nos seus termos atuais, por exigência do FMI. Como forma de cooptar consciências e colocar a grande maioria desinformada a favor da aprovação da lei, pressionando muitos parlamentares, divulgou-se e veiculou-se que os ladrões seriam presos imediatamente. Quanta gente enganada!

Falta-de-transparência: a maioria dos gestores, nas diversas esferas administrativas, já infringe os artigos 48 e 49 da LRF, especialmente quando eles dizem: 

as contas ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela respectiva elaboração, para consulta e apreciação dos cidadãos e instituições da sociedade. 

Disponíveis para consulta? Bem, além de já não cumprirem a LRF, infringem também outras leis que tratam da transparência na gestão pública.

Em São Sebastião-SS, para se ter o acesso à prestação de contas é preciso contar-se com a sempre decisiva intervenção do Ministério Público, na pessoa do doutor Izadílio Vieira da Silva Filho, eis que nem a Câmara Municipal-CM (na gestões de Afonso Pacheco-PFL e de Nelson Marcelino-PPB, depois, PPS e nem a Prefeitura (na gestão Zé Pacheco-PPB, depois PSDB) divulgaram ou forneceram cópia, apesar das muitas solicitações.

Verificou-se, então, o porquê das contas serem sutilmente escondidas. Sutil? Porque não há documento negando, mas muitas idas-e-vindas sem que o acesso seja permitido.  Em 2000, SS movimentou: R$8.398.364,46; R$166.898,50, foi saldo de 1999 e recebeu R$8.065.633,23. Valor distribuído em: receita-tributária, R$40.087,91; receita-patrimonial, R$972,46; transferências-correntes, R$8.022.472,86 e outras-receitas-correntes, R$2.100,00. 

A baixa própria arrecadação do Município é retratada pelo valor da receita-tributária própria: ITBI, R$8.750,52; ISS, R$5.909,78; TIP, R$2.253,91 (frise-se: um movimento popular acabou com esse tributo inconstitucional, desde setembro/1999); taxa-prestação-serviços, R$23.143,80; outras-taxas, R$30,00. Receita-patrimonial, rendimentos de aplicação no mercado-financeiro, R$972,56. Nas transferências, estão incluídas as transferências obrigatória (R$6.234.357,60) e voluntárias (R$1.788.115,26). 

Para SS, é uma dinheirama. Tanto o é que gestores construíram mansões e compraram bens, sem outras rendas aparentes. Digressão interiorana, mas necessária.

Aumento-de-salários: Prefeitos chegaram a tergiversar e diziam: há dinheiro em caixa e gostaria de dar o aumento, mas a lei não permite. Para o município, a LRF fixou a despesa total com pessoal-DTP em 60% da receita corrente liquida-RCL, sendo 54% para o Executivo-PE e 6% para o Legislativo-PL. 

Se não há acesso à prestação de contas, não se sabe os números de cada dotação e os gastos de cada Poder. Como debater? Até porque o que vem a ser DTP está difícil definir: a LRF e Procuradoria-Geral de Alagoas-PG dizem uma coisa, e o Tribunal de Contas Estadual-TCE diz outra.

Em SS, no período de 2000/2002, os gestores dizem que não podem aumentar os salários, em virtude da LRF. A prestação de contas desmente-os: adotando-se a interpretação da PG: RCL, R$8.065.633,23; DTP: do PL, R$246.954,16 (3,06%) e do PE, R$2.584.719,68 (32,05%). DTP, no PL e PE: 35,11% da RCL, no conceito da LRF. É por isto que trabalhadores municipais, daqui e d’além, exigem aumento.   

Restos-a-pagar-RP: usando esse conceito, muitos gestores não querem pagar contas de antecessores. Nos últimos 8 meses de mandato, o gestor não-poderá assumir gastos para a próxima-gestão pagar, sem deixar dinheiro em caixa para honrá-los. Burlando o art. 42, prefeitos dizem que não podem pagar salários atrasados de servidores e agentes-de-saúde. Não há isto na lei. RP não tem conceito unânime, mas tem duas idéias definidas: gastos compromissados e vencidos no exercício, nele são pagos e não há dúvidas. 

Em SS, existem salários atrasados e diferença salarial; o atual prefeito Sertório Ferro se recusa a pagar contas de energia à CEAL porque o consumo/vencimento foi durante o mandato de seu adversário. Centenas de famílias estão sem água em dois chafarizes, em razão de brigamícios entre as oligarquias locais. Que só não é escândalo em razão da ausência da imprensa nos interiores. 

A dúvida surge nos gastos compromissados e não-vencidos. Apesar da divergência, percebe-se que o RP abrange serviços rotineiros e continuados do exercício (despasas-de-custeio da administração), que não há obrigação de inclusão no PPA. Diz o TCE/PR: “a restrição para contrair despesas deve se limitar aquelas cujo objeto fique limitado ao exercício(...). Dessa forma, o caixa do último ano do mandato deve quitar àquelas despesas incorridas nesse ano, sendo que as parcelas a incorrer deverão ser suportadas pelo caixa do ano seguinte”. 

Artigo 36 da lei 4320/64: “Consideram-se restos a pagar as despesas empenhadas e não pagas até 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas.” 

Processadas são despesas cujo empenho foi executado e estão em procedimento de pagamento ao término do exercício; não-processadas são despesas empenhadas, mas o procedimento de pagamento ainda não se efetivou. O certo: numa como n’outra lei, RP é de difícil compreensão para quem não tem acesso à prestação de contas.

O objetivo da determinação é impedir que gestores que percam mandatos inviabilizem os dos sucessores, deixando despesas sem-caráter essencial ou emergencial. Também nada de novo: lei de 1974 já impedia gestor em fim de mandato de assumir compromissos financeiros “sem que os correspondentes recursos estejam previstos na programação orçamentária e na programação financeira de desembolso”. 

Esta e aquela leis, possivelmente, continuem desrespeitadas.

Em SS, o art. 42 da LRF evitou que o ex-gestor deixasse ao atual vários gastos de custeio, quase todos efetuados nas empresas da família de sua esposa e então Secretária-de-saúde, Arlete Regueira. 

Impede investimento em políticas públicas inclusivas ou “gastar no social”: é meio verdade, apesar de divergências. 

A LRF não limitou os serviços da dívida. Por quê? Também não limitou investir no social. 

O detalhe: prioridade nos gastos. A maioria dos gestores priorizam políticas-públicas(PP) que beneficiam a elite, setores dela ou poderes. Alguns gestores priorizam PP que beneficiam a maioria excluída, apesar do serviço e juros da dívida sempre aumentarem.

A prioridade no gasto do dinheiro público é que não visa a inclusão social. 

Não se faz a inversão de prioridades. 

Números confirmam: em SS, em 2000, gastaram-se em festas R$97.678,80 e na agricultura R$38.728,39; com 11 vereadores gastaram-se R$298.561,40 e com merenda-escolar (mesmo a maioria do alunado sendo subnutrida ou sofrendo de carência-alimentar) R$195,575,52. Considerando o antagonismo dos princípios autorizativo ou impositivo, foram autorizados e gastos, em percentual: no gabinete do prefeito, R$154.002,64/R$154.002,64 (100%) e no ensino infantil (apesar de 90% dos pais/mães daqui não poderem pagar pré-escola) R$160.830,00/R$97,77 (0,06%). Secretaria de Finanças, R$365.050,56/327.425,78 (89,69%) e Ação Social, R$426.091,10/R$278.829,90 (65,44%). 

O dinheiro some fácil, espie: serviços de terceiro (escritório de contabilidade ou jurídico, aluguel de carros, carroças (em um município, o pobre carroceiro assinou recibo de R$10.900,00, recebendo apenas R$100,00. 

Em SS, um correligionário foi orientado a comprar um carro para alugá-lo à administração; pedreiros etc), R$3.078.681,71 (38,17% da RCL, inclusive superior a 1999, quando foi 23,79% e à  DTP, na ativa (no PL e PE), que foi R$2.765.760,12 ou 34,29% (deduzindo-se as dotações de aposentados, pensionistas e salário-família).

Motivo por que muita gente assume pobre e sai rica. É na dotação “terceirização” que há grande possibiilidade de maracutais. Compram-se “serviços” a diversos correligionários, em razão de pagamentos de “trabalhos” eleitorais.

No Estado não é diferente. Dotações para 2002: o PL levará R$58.500.000,00 (credite-se a Ronaldo Lessa a resistência a gastar mais R$10.500.000,00, que nobres deputados querem) e na Agricultura R$18.239.487,00; TCE, R$26.000.000,00 e Secretaria de Cultura, R$2.300.479,00; Tribunal de Justiça R$101.918.691,00 e, juntas, Ciência/Tecnologia/Ensino-Superior/Funesa/Uncisal R$4.012.878,00. 

Essa desigualdade social na apropriação dos bens públicos ocorre País afora. No entanto, a massa de excluídos de tudo ou quase não se mobiliza e os privilegiados sim. 

Exemplo: menos de 2 dezenas de deputados se mobiliza para ganhar mais R$10 milhões e 500 mil reais, mesmos após descumprirem leis, inclusive a LRF, mas milhares de educadores não sitiam o PL, exigindo aumento salarial.

Se houvesse democratização e transparência na elaboração e execução orçamentárias, essas “prioridades” se inverteriam e o povo decidiria por pagar a dívida ou diminuiria a dotação para pagamento da mesma. 

Mas, qual gestor já convocou o povo para elaborar e acompanhar a execução do orçamento? 

Fazer orçamento participativo? 

Apenas uns poucos e de partidos políticos variados. 

Finalizando: na elaboração do orçamento valem os princípios: salvem-se poderes e privilégios; nas ruas, salve-se quem puder. 

Em virtude de não se mudar as prioridades em prol da maioria excluída de vida-digna, é que os anéis já estão indo e os dedos logo irão? Fome, que fundamenta a excluído se apropriar do privado de alguém, sobra!

Alagoas, Agreste, Camaratuba, inverno, 2001

>Paulo Bomfim, reside em São Sebastião; coordena a ABRAÇO-AL, que em parceria com a Organização Não-governamental de Olho em São Sebastião, realiza os “Curso de Noções sobre Tributos, Orçamento Público e Responsabilidade Fiscal”, “Curso de Cidadania” e “Curso de Noções sobre Administração Pública Municipal”; pelo PT, foi candidato a Prefeito e a Deputado Federal, obtendo, respectivamente, 219 e 2.216 votos; o texto foi atualizado em 2002; imeio:ongdeolhoss@bol.com.br.

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